Farinha torrada no forno de lenha
À hora do almoço comia-se em bando — e pouco. Em bando porque todos se ajuntavam ao redor de uma única bacia: um punhado de arroz e farinha de puba repartido entre os nove filhos, organizados em grupos de três. Pouco porque o alimento vinha medido, posto pela mãe em quinhão exato, cada um respeitando o seu espaço na geografia da bacia de alumínio. Os três sentavam-se no chão e comiam à mão. Colher não havia para os meninos; só a gente grande se assentava à mesa, com talher.
Assim eram aquelas vidas nos idos dos anos 80 e 90, no interior.
Comia-se quando tinha. Nem todo dia aparecia um pedaço de carne ou um peixe da praia — peixe bom, peixe graúdo. E, quando vinha fresco, só se comia uma vez. Geladeira não existia. O que sobrava era salgado, virava salpreso ou secava ao sol, estendido sobre a casa de palha.
Quando faltava a mistura do almoço, restava o feijão com farinha branca ou farinha de puba, feito capitão. Se as galinhas não estivessem chocas, havia ainda uma banda de ovo para dividir.
Quando não havia mais feijão, nem peixe, nem carne, o almoço se fazia de café com farinha ou com beiju — e assim se repetia também na janta.
Pior era quando a farinha acabava. Era preciso comprar na quitanda, a preço triplicado, aquilo mesmo que se havia vendido na safra. Era de lascar. A fome se fazia sentir. Fome dói mais que dor de dente. Rezava-se a São José e a Nossa Senhora Santa Teresa para que o inverno voltasse, trazendo a fartura do milho verde, da melancia, do feijão novo. Rezava-se para dormir e enganar a fome. Rezava-se para o tempo passar ligeiro. Rezava-se para chegar julho, mês da farinhada — e, com ele, a fartura outra vez.

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