Julho de 1981 - cais do porto de Tutóia. Em mais uma de minhas viagens de retorno de fim de férias. Uma das raríssimas fotos que estou com ele - Papai. Martinho de Almeida Ramos.
Consequências do retorno para a terra natal
Saí de Tutóia – um Paraíso no Maranhão -, na flor da idade, como dizem no Nordeste – 15 aninhos. Saí porque queria estudar, ver coisas novas e ser motorista de ônibus. Afinal, a entrada do primeiro ônibus na cidade – anos 1970 – continua sendo uma imagem incrível nas minhas lembranças – não poderia ser mais inspiradora para eu escolher uma profissão. Não havia nem estrada nem ônibus em Tutóia, assim como não havia energia elétrica e água potável e muitas outras coisas. Então, teria que ir para onde tivesse ônibus.
De uma coisa eu tinha certeza: voltaria. Esse é o motivo pelo qual não conheci Paris. Todas as minhas férias eram programadas para... Tutóia. Assim, a Europa, América do Norte, Central e do Sul, Ásia, África e Oceania, foram ficando para trás. Passar férias neste Paraíso supria todas as minhas necessidades. Queria rever pessoas. Esse era o ponto.
I came back!
Estou com um pouco mais de um ano [aqui de volta]. Cumpri a minha promessa. Realizei o meu sonho. Assim, frequentemente, coloco-me, a maioria das vezes involuntariamente, frente a frente com o passado. Isso se dá ao passar por determinadas ruas pelas quais andava e, principalmente pelos prazerosos encontros. Ainda está sendo o pior que a pandemia me tirou, além da perda de queridos parentes, amigos e conhecidos, a possibilidade desses encontros. Apertar a mão, abraçar. Coisas tão naturais e que agora se tornaram risco de morte. Surreal.
No entanto, esses raros encontros acontecem de forma casual.
Hoje foi um dia assim. Estava andando de moto na praia, como costumo fazer. Gosto de falar com pescadores. O meu pai era pescador. A praia era o lugar que ele mais me levava. Tiro fotos deles. Não conversamos tanto. Apenas as saudações de praxe e algumas palavras adicionais – por causa dos riscos. Já que na praia, por estar sempre deserta, é raro encontrar alguém com esse fundamental instrumento de proteção.
A maré estava cheia, em vazante. Tinha alguns pescadores, uns três – um bem distante do outro -, pescando de linha. Passei por um exatamente no momento em que fisgou um lindo bagre uritinga. O peixe mais comum para esse tipo de pesca. Parei a moto. Pedi para tirar uma foto. Disse que gostava – porque já há muito é conhecido assim – de ser chamado de Fiscal. É assim que todos o conhecem.
Mas ele disse mais coisas - motivo deste post. Disse que eu não era estranho para ele. Perguntou se eu era filho do Martin Tamaracá ou simplesmente Tamaracá – o nome do meu pai é Martinho de Almeida Ramos. Apelidos são muito comuns por aqui. Isso quebrou o gelo. Ficou à vontade. Posou para a foto. Enquanto fazia o registro passava um filme na minha cabeça. Esses momentos são muito especiais. Creio que inconscientemente busco isso. Todos falam bem do meu pai. Talvez queira construir a memória dele. Me sinto orgulhoso de ser seu filho. Um homem simples e correto. É o que ele era e é o que deixou na percepção das pessoas que o conheceram.
Conversa rápida. Não durou 5 minutos. Nem nos cumprimentamos fisicamente. Tive que me controlar. Queria abraçá-lo. Talvez ele nem tenha ideia do efeito que esse encontro relâmpago causou em mim. Disse-lhe que um dia conversaríamos mais sobre essas coisas. Espero que possa fazer isso o mais rápido possível. É muito bom.
Ele me viu pequeno, há mais de 40 anos. E lembrou. Não tenho a menor ideia de quantas vezes ele me viu. Eu não lembrava dele. Ele é um pouco mais novo do que eu. Teríamos brincado juntos? É possível. Jogar bola na praia juntava muitos da minha idade. Ele viu meu pai quando ainda era pequeno – tipo mais de 12 anos. E mesmo assim, lembrou de nós.
São essas coisas que procurei a maior parte da minha vida quando morava em Porto Velho(RO), onde era um estrangeiro – apesar de todo o carinho que foi recebido e aceito. Mas sempre faltou o contato com as raízes.
Assim, como os coqueiros da Praia Andreza perderam a luta para o mar, restando poucos e vestígios de outros – apenas raízes expostas -, também são as pessoas daquela época. Muitas já cumpriram sua missão e se foram levando parte de minha história e daquela Tutóia. Aquela em que éramos contemporâneos. Restam ainda muitos resistentes que estão espalhados por aí. A cidade cresceu. As pessoas, assim como joias, precisam ser garimpadas. Porém, de vez em quando, revelando um ótimo dia de sorte, encontra-se uma dessas “a céu aberto”.
G R A T I D Ã O !
Texto do próprio persnagem publicado no grupo Saudosismo mantido por ele na rede social facebook.
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