TUTÓIA VELHA: Festejo a Nossa Senhora da Conceição

Dia 8 de dezembro é o dia em que os católicos celebram o dia de Nossa Senhora da Conceição.


Este mesmo 8 de dezembro é feriado instituído por lei municipal e a Santa celebrada como padroeira da Paróquia de Tutoia.


Foto: Autor desconhecido. A imagem vem sendo publicada em vários perfis da rede social de tutoienses (internet).

O Cruzeiro, mesmo tendo sofrido vários reparos ao longo dos séculos, continua lá, ornamentando o largo da pracinha defronte a igreja em Tutóia Velha. 


Foto: Elivaldo Ramos, 2017. 


 

Foto: Elivaldo Ramos, 2017. 


Em Tutóia a data é festejada no povoado Tutóia Velha. Uma tradição secular que se iniciou neste município, provavelmente no ano de 1722, por ocasião da ação de padres da Companhia de Jesus e o padre João Tavares, é citado em vários escritos como tendo sido o primeiro a aldear os índios Tremembés, sobreviventes ao extermínio promovido na colônia. 


Na povoação está edificada a Igreja Nossa Senhora da Conceição com uma arquitetura que guarda características do estilo barroco e foi tombada pelo Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Maranhão. A Igreja de Nossa Senhora da Conceição está entre uma das mais antigas do Maranhão - comprovado, inclusive, com registros históricos - figurando entre as mais antigas do país. A mais antiga igreja em homenagem à Santa (1534), está situada na Vila Velha, Ilha de Itamaracá, no Recife, no estado de Pernambuco. 


Para remeter o leitor ao período exato do início dessa igreja em Tutóia, insiro aqui um recorte de um trabalho de pesquisa que vem sendo realizado pelo escritor kenard kruel: 


Eis o que nos fala o historiador Renato Marques Neves(1): “Guerreados implacavelmente e dispersos pelas matas do continente, sen­tiram-se na vontade de serem aldeados com objetivo de preservarem sua nação do ex­termínio. De maneira que, em 1722, fo­ram aldeados e catequisados pelo padre João Tavares. Foram eles próprios que pediram ao Governador e Capitão Gene­ral João da Maia da Gama(2) o padre João Tavares, conforme provisão Régia de 24.1.1723. dirigida ao governador ora citado: “...mazque chegando vós, vos vierão vezitar como custumavão, e que depraticados vos decerão sequerião Aldear, e Baptizar os seus filhos, e vos pedirão o padre João Tavares da Compa­nhia de Jezus para seu Missionário com declaração de ser a Aldea no Rio Tamara(3) que fica entre os Lançoes grandes e pequenos, e que... “... que obrastes bem em mandar Aldear esta Nação dos Taramambes no sítio que ensinuáes, e em lhe dardes por Missionário ao Padre da Companhia de Jezus. que elles pedirão pois por este meio não só se pode conseguir a utilidade que apontais, mas mais essencial que he a salvação destes índios e sou ser­vido que...”.

O aldeamento se dá mediante as condições por eles exigidas. José Vidigal, em carta a El-Rei. de 9.6.1734, informava: “aldearam-se com pacto de não ser­virem, alegando que tinham visto brancos açoitarem os índios que servem. E no en­tanto serviam e eram úteis à Coroa na vigia da Costa”.

À sua antiga aldeia, locali­zada nos lençóis, deu-se o nome de Otoya (Tutóia), a atual Tutóia Velha, a Tutóia Colonial que ainda hoje existe.

O padre João Tavares era natural do Rio de Janeiro, nascido a 24 de junho de 1679. Entrou na companhia de Jesus a 11 de junho de 1697. Professor de 4 votos. Viera ao Maranhão como mestre de Filosofia e Teologia, lecionando durante seis anos, inclusive Gramática. Em São Luís foi Vice-Reitor do Colégio do Maranhão. Pelos idos de 1722 deu início à difícil tarefa de catequisar e aldear os Tremembés. Foi o primeiro padre a viver, morar, com os Tremembés.

Em 1728 recebeu a ajuda dos padres Luiz Ferreira e Luiz Barreto, que também passaram a conviver com estes ín­dios. Por ocasião do aldeamento criou a Missão dando-lhe o nome de Nossa Se­nhora da Conceição, para logo em segui­da “Nova Missão dos Tremembés de Nossa Senhora da Conceição”, dando assim início o que futuramente seria a atual Tutóia Velha, a Tutóia Colonial, situada na área dos Lençóis, às margens do Rio Tamara, “onde faz barra principal um dos braços do Parnaíba, chamado Santa Rosa e também Canal de Tutóia”.


No povoado Tutóia Velha, que no período Colonial foi chamado de Villa Viçosa e depois de Otoya, o padre João Tavares trabalhou com os índios, fez um sítio prosperar com a criação de gado. Sítio que recebeu o nome de Mayrin. Alguns o chamavam de "Mayrin dos Índios”(6), o próprio padre Hélio Maranhão o descreveu assim em um artigo de jornal (“Jornal do Maranhão de 26 de julho de 1964, página 3.), além de o ter inserido em um verso da “Aquarela de Tutóia''. 


O padre que iniciou a edificação da igreja de Tutóia Velha foi chamado de “O APÓSTOLO DOS TREMEMBÉS” pelo padre Hélio Maranhão que chegou a Tutóia na década de 60 e passou anos cuidando dessa paróquia. 


A Igreja de Nossa Senhora da Conceição pertence à Diocese de Brejo, Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, promovida a esta condição pela Resolução Régia de 18 de junho de 1757.  


O escritor Kenard acrescenta que: 

Padre João Tavares criou, segundo o padre Hélio Maranhão, “as condições para a fundação do primeiro quadro jurídico da estrutura da igreja de Deus no Delta”. Infelizmente, ele não pôde ver o templo construído. Faleceu, aos 64 anos de idade, em São Luís, a 11 de junho de 1743.

Veio o padre Lino Antônio Pereira de Sampaio, autorizado pela freguesia de Brejo, em 1815, a reparar problemas na estrutura física, mesmo tendo paredes em estilo rústico, feitas de “pedra e cal”, com espessuras bem largas.

Depois, vieram: José Luís, João Ferreira, Luís Barreto e José Dias Seabra, que foram tutores por vários anos dos índios Tremembés, intermediando a conquista dos bens (terra e gado), os quais foram depois possuídos por eles clandestinamente.

Quando a Tutóia Colonial - a Tutóia Velha - era a sede do município de Tutóia, a maior festa do município acontecia ali. Mas, por ocasião da mudança da sede municipal, no final do século XIX, empreendida pelo Coronel Paulino Neves para a Salinas - atual sede municipal -, o festejo ficou dividido em festejo da da Tutóia Nova (Nossa Senhora de Nazaré) e festejo da Tutóia Velha (Nossa Senhora da Conceição).


Aliás, Tutóia Velha realiza também, no mês de maio, o festejo do Divino Espírito Santo, outro significativo festejo da comunidade. 


Tenho a lembrança de quando criança quando meus pais assíduos frequentadores do festejo - minha mãe era “tiradeira” de novena; meu pai um pé-de-valsa. No encerramento do festejo - em que saímos do povoado onde nasci, Bezerro, em bando, uns à cavalo ou em mulas e outros a pé cortando veredas estreitas por entre “capões de mato”(7). 


O festejo ocorre anualmente, em novenário. São nove noites, que se iniciam em 30 de novembro com o tradicional levantamento do mastro - uma tora de madeira, geralmente retirada do manguezal do igarapé do Cangatã, por homens da comunidade que embrenham na floresta litorânea e escolhem a mais alta, frondosa e linheira das árvores de mangue que é trazida em canoas, em procissão aquática, ao som de caixas de tocar o caroço (festa tradicional), quando aportam no porto da comunidade é carregada nos ombros de dezenas deles até o largo da igreja para ser plantado em frente desta. O festejo se estende até 8 de dezembro, dia da padroeira da comunidade. Cada noite do festejo é dedicada a um grupo da comunidade, como as crianças, os professores, as famílias e os pescadores, por exemplo. Nos tempos idos essa festividade era acompanhada especialmente pelos intendentes e por autoridades municipais, respeito à tradição. 


Além do festejo de Nossa Senhora a comunidade também festeja o Divino Espírito Santo que acontece no mês de maio de cada ano. O festejo tem data móvel e pode ocorrer entre final do mês de maio e início do mês de junho de cada ano. Geralmente, finda no finalzinho do mês de maio. Nesta festa são levantados dois mastros. Essa é uma festividade cultural católica importante, sendo festejada em outros municípios maranhenses. Foi trazida para o Maranhão pelos portugueses colonizadores. 


Lembro ainda, que nas laterais da igreja era comum nos festejos antigos vários animais ficavam enfileirados e amarrados a troncos de madeira que eram utilizados para esta finalidade no último dia de festa, das pessoas que vinham de várias comunidades para a celebração. Além da pregação religiosa, ocorria a tradicional festa dançante com os chamados conjuntos de som. A festa era realizada em um local chamado de barracão, a luz que iluminava eram lamparinas à querosene ou lampiões a gás. 


Caroço de Dona Elza na Festa do Divino, ano 2019. Foto:Blog Elivaldo Ramos. Caroço dirigido pelo professor Wandercleison (natural do povoado Dendê). 


Texto e Fotos: Elivaldo Ramos 

 


Notas:

(1) Renato Marques Neves: Almanaque da Parnaíba, número 62, 1995, páginas 82 a 87. 

(2) João da Maia da Gama.

(3) atual Rio Tutóia Velha, um dos formadores do Cangatã, que desemboca na Barra do Tatu.

(4) Localizada ao norte da Ilha Grande do Paulino, na Baía de Tutóia; é separada desta e da Três Bocas pelo igarapé do Alexandre Antônio. No mapa feito por Simplício Dias da Silva, em 1806, aparece com o nome de Ilha dos Tremembés, a Grande do Paulino como Ilha dos índios e a do Caju como Ilha do Caju.

(6) O sítio Mairim é citado ainda no artigo de Renato Neves Marques datado do ano de 1995 publicado no Almanaque da Parnaíba, nº 62, fazendo referência à Provisão Régia de 24.01.1723 em que o Padre João Tavares pede ao Governador do Maranhão João da Maia da Gama um lote de terras para aldear os índios andarilhos do litoral nordestino. Eles “aldearam-se com o pacto de não servirem, alegando que tinham visto brancos açoitarem os índios que servem. E no entanto, serviam e eram úteis à Coroa na vigia da Costa” (Carta a El-Rei, 09.06.1734 apud MARQUES, 1995, p. 84). 

(7) Vegetação densa que se apresenta no vão do cerrado, vegetação predominante na região.




SAIBA MAIS SOBRE A IGREJA MAIS ANTIGA DO BRASIL: 


“um dos primeiros povoamentos do Brasil

A Vila Velha da Ilha de Itamaracá, um dos primeiros povoamentos do Brasil, de 1534, é um local sereno e delicioso de se visitar. Não há muito para se ver, mas a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, as vistas do mar e da costa (a vila fica no alto) e o clima de que toda a vila está sob o efeito d’algum feitiço em que o tempo passa desacelerado são discretamente contagiantes. Não deixe de finalizar sua visita provando as sublimes tapiocas da Dona Idalice, em sua barraca bem na praça central, simplesmente uma das melhores e mais simpáticas tapiocas do Brasil.”

Foto e Texto: PedroVillelaCG, mar. de 2015.


“Historia do Brasil

Local lindo, perfeito para relaxar, não parece que estamos na tão movimentada ilha de Itamaracá, local de pessoas simples e acolhedora. Uma vista maravilhosa dá coroa do avião e dá praia do forte Orange, tudo muito lindo um perfeito contato com a natureza, cultura e história do Brasil.”

Foto e Texto: AmaroJunior, jan. de 2017.





CAROÇO DE TUTÓIA SE APRESENTA EM SÃO LUÍS (ANO 1974)*

Em 1974, o prefeito de São Luís Haroldo Tavares lançou o Projeto Mirante, objetivando conciliar o futuro com as tradições da cidade. Para atrair a atenção das pessoas, lançou diversos concursos folclóricos e populares. A turma do Pasquim, jornal de humor da época, foi convidada para o júri. Entre eles e outros convidados, estavam Sérgio Cabral, Ziraldo, Fortuna (cartunista maranhense), Olga Savary, Pelão, Cacá, Nara, Sônia Neder e Mary Ventura.


O prefeito de Tutóia, Antônio José Neves Rodrigues (31 de janeiro de 1973 a 31 de janeiro de 1977) levou a dança do caroço para se apresentar em São Luís, sob o comando de dona Elza. Concorrendo com mais 15 manifestações folclóricas, a dança do caroço foi classificada em primeiro lugar. De imediato dona Elza passou a receber convites para se apresentar no sul do país. Teve apresentação em São Paulo, para seguimento estudantil, e no programa Brasil Legal, da Rede Globo, o que atraiu o olhar de artistas como Regina Duarte, que visitou Tutóia Velha só para vê-la dançar, ficando encantada com a riqueza do vestuário, a leveza e a espiritualidade da grande dançarina.


Vejamos duas crônicas publicadas no jornal O Pasquim, pelo Sérgio Cabral e Ziraldo, falando da dança do Caroço:


Diário Turístico de Sérgio Cabral, O Pasquim, edição de 23 a 30 de setembro de 1974, página 3: “As pessoas que pensam que folclore é chato, devem ir ao Maranhão. Cada manifestação que aparecia era um espetáculo mais bonito e mais animado do que tudo que a gente vê, por exemplo, na televisão. O grande sucesso da noite ficou por conta do grupo que apresentou a dança do caroço. Nem o pessoal de São Luís conhecia aquilo. Os caras são de uma cidade chamada Tutóia, lá no norte do Maranhão, que não tem qualquer comunicação com o resto do Estado. Para chegarem a São Luís, foram de barco até Parnaíba, no norte do Piauí, onde pegaram a estrada para Teresina e, de lá, viajaram de ônibus para São Luís. Segundos depois de iniciarem o seu número de dança, todo o público e o júri estavam em delírio, aplaudindo e berrando feito desesperados.  Tem coreografia, tem erotismo, tem o diabo. Viva a dança do caroço!”


Conheces o Maranhão (III), Ziraldo, O Pasquim, edição de 23 a 30 de setembro de 1974, página 26: “E a dança do caroço? A impressão mais marcante de nossa viagem, mesmo com os sobradões de azulejo de São Luís e o impacto de Alcântara, foi a dança do caroço. Nem os maranhenses - parados num folclore - conhecia ela. O Sérgio Cabral fala dela no seu Diário.

Mas, eu quero falar mais. O grupo foi trazido de Tutóia Velha, distrito do município de Tutóia, pelo prefeito Luís Antônio (na verdade: Antônio José Neves Rodrigues). Tutóia só tem acesso por mar ou por táxi aéreo. Por terra, é uma lenha - o Sérgio conta. 


O irmão do prefeito, que é padre (Jocy Neves), percebeu algumas informações sobre a dança, entre uma comunidade de lavradores - plantadores de mandioca - de Tutóia Velha.


Pausa para uma informação etnológica (será que é etnológica mesmo?): essa gente - se sabe - é descendente direta de índios teremembés. Guardam essa evidência na pureza dos seus traços fisionômicos, na cor da sua pele, na lisura e presteza dos cabelos, na cadência dos gestos. E mais: sempre à beira do mar. E, como todo índio brasileiro, jamais pescou em água salgada. Do mar, só guardam o medo e o mistério.


Pois o padre percebeu tambores muito velhos guardados em um outro casebre, ouviu cantos e descobriu a Edna (na verdade dona Elza) - uma cabocla de 33 anos, mãe de um rapaz de vinte - que era filha e neta de louvadeiras (louvadeira era a mulher que puxava o canto e dirigia a coreografia). E Edna se lembrou de todas as canções do seu tempo de menina. E alguns velhos - o Pedro e a Maria: “minha vó foi pegada a dente de cachorro no meio do mato” - se lembraram dos tambores e da batida. E restauraram a dança. E ela já estava no sangue. E todo mundo reaprendeu.


A dança é descritiva. Seu tema central é sempre a conquista amorosa. A coreografia é determinada pela letra da canção. Eles começam chamando a mulher - Mariquinha - depois a contar suas aventuras, viagens lindas pelo mar, onde nunca se aventuram, e, no final, inventam de derrubar uma caixa de marimbondo, que é uma das desculpas mais esfarrapadas para as mulheres levantarem as saias até a cabeça, coçar “as baixeiras”, como me informou uma delas, e todos se esfregarem uns nos outros. Não se pode dizer que a coreografia é rica. Há requebros de cadeira, olhares cupidos, gestos insinuantes, e rodeios e rodopios, num passinho miúdo, numa cadência bem primária. As letras são maravilhosos exemplos de arte popular, perfeitas.


Será que eu descrevi bem? Tou com medo de ter ficado muito sério. A verdade é que eu me encantei com o caroço. Acho que valia a pena fazer um filme com eles. Jamais trazê-los aqui, para uma demonstração, como se pensou na hora da empolgação. Deixa eles lá. Eles são felizes, quando estão dançando!”


*Texto de Kenard Kruel, publicado no meu blog, adaptado da matéria do Sérgio Cabral e do Ziraldo em São Luís, vendo a dança do caroço de dona Elza. Antônio José Neves Rodrigues, prefeito, foi quem a levou.

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