O naufrágio da lanhca "Mensageiro de São Francisco" de Tutoia






Lancha "Mensageiro São José" que pertencia a Seu Acrísio e depois vendida à ESNISA – Empresa Salineira e de Navegação do Igoronhon.













Lancha Cidade de Tutoia






No início da década de 1970, ocorreu um trágico naufrágio envolvendo a lancha “Mensageiro de São Francisco”, de propriedade do senhor Acrísio. A embarcação partiu do Porto do Salgado, próximo ao Porto das Barcas, em Parnaíba-PI, por volta das 17 horas, com destino a Tutoia-MA. A lancha estava superlotada e faria uma parada obrigatória em Carnaubeira. No entanto, próximo ao encontro do Rio Carnaubeiras com o mar, por volta das 21:00h, a lancha soçobrou durante uma curva devido ao peso e às condições adversas da corrente marinha, resultando em um grave acidente.

Naquela época, era comum que as lanchas que faziam a linha saíssem de Parnaíba às 17h ou 18h e chegassem à Tutoia durante a madrugada. Após o acidente, as viagens passaram a ser realizadas durante o dia, com partidas programadas para cerca de meio-dia.

Entre os passageiros estavam eleitores que retornavam para votar em Tutoia, na eleição de 15 de novembro de 1970. Infelizmente, alguns passageiros perderam a vida no naufrágio, incluindo a filha adotiva do comerciante tutoiense Zé Luís e de Dona Deise Pires. Outros, como mulheres grávidas, idosos e crianças, ficaram feridos. A comunidade local se mobilizou para ajudar os sobreviventes, utilizando canoas de pescadores para resgatar quem estava na água.

O senhor Claúdio, primo do padre Zuz (ambos do Barro Duro), que tinha cerca de 18 anos na época, foi um dos sobreviventes e ajudou a resgatar sua prima Isabel, que tinha apenas 6 ou 7 anos, como ele relatou em uma conversa via aplicativo de mensagem. Para ele, esse trágico evento foi descrito como a maior tragédia testemunhada por muitos na região.

A tragédia daquela tenebrosa sexta-feira, 13 de novembro de 1970, conforme relato de Djalma Filho (de família do povoado Bom Gosto), seu pai trazia muitas peças de tecido que também foram postas para secar. Todas sujas de lama. Ele relembra que “esse dia foi uma lotação exagerada e mais um chassi de carro”, além de outras cargas; e “uma multidão no porto Salgado, esperando um corpo de uma adolescente. Triste!”.

Durante uma visita ao povoado Carnaubeiras em 2023, conversei com um senhor de meia-idade que confirmou relatos de mortes e desmaios durante o acidente na comunidade. As pessoas e os corpos resgatados foram levados e deitados no largo do porto.

O escritor Juarez mencionou um episódio relatado no livro do Sindicato dos Arrumadores, no qual ele, responsável por trazer o pagamento dos estivadores, conseguiu salvar a maleta com o dinheiro durante o incidente. Após ser acolhido em uma casa próxima ao porto, ele secou as notas ao sol e conseguiu concluir sua missão de pagar os trabalhadores.

A professora Rita Merequeta relatou que sua tia, que atualmente reside em Tutoia e, na época, morava em Parnaíba, viajava até Tutoia para votar. Segundo ela, sua tia iria votar em seu primo Edmilson, candidato a vereador. Ela também mencionou que o ex-deputado Zé Orlando, então ainda jovem, e outras pessoas, cujos nomes não conseguiu recordar, estavam presentes naquela viagem.

A professora Alcy Rosa Arcanjo, testemunha ocular no dia seguinte ao acidente relata:

“Quando eu cheguei lá, o naufrágio da lancha já tinha acontecido. Na época, eu ainda morava aqui em Tutóia. Sabemos poucas coisas sobre o ocorrido. Quando cheguei, perguntei ao pessoal sobre a história. O que disseram é que por volta de seis, quase sete horas da noite, a lancha era esperada. As pessoas costumavam esperar seus parentes no porto, mas naquele dia havia poucas pessoas, talvez três, porque já estava anoitecendo. A correnteza naquela região é forte, especialmente por causa de uma tentativa de construção de uma passagem de pedras entre os lados do rio. A lancha fazia uma curva ao redor das pedras para atracar. Parece que a maré estava baixa, a lancha estava sobrecarregada, e a correnteza estava muito forte. Ela bateu nas pedras e virou, causando a morte de muitas pessoas. Quem estava lá viu a lancha afundar rapidamente, e ouviram-se os gritos. Logo, apareceram canoas para tentar salvar as pessoas. Felizmente, era uma noite de lua cheia, o que ajudou no resgate. O que pude ver de perto foi no cemitério local, onde enterraram as vítimas do naufrágio. Fizeram várias covas, e há um quadro com os nomes das pessoas que morreram. Uma das histórias que se destacam é a da filha do Zé Luiz e dona Deise [Pires], que elas criavam. A mãe conseguiu se salvar, mas quando tentava sair do camarote, segurando a menina, houve um acidente. O camarote, que era mais caro e reservado para quem tinha mais dinheiro, oferecia mais conforto, sem a necessidade de ficar embaixo das redes. Na hora de sair, a mãe se agarrou à filha, mas a menina bateu contra a porta e não conseguiu escapar. (...) Contam que um homem estava no camarote e, no momento em que a mãe tentou sair com a menina, ela se agarrou à criança, naquele desespero, na tentativa de se salvar, mas a menina acabou batendo contra a porta e ficou presa. (...) Esse foi o único enterro que veio para Tutóia”. (relato em 08.04.2023)


O professor Cloves relatou que “minha prima morreu neste acidente; ela morava em Frecheiras (atual Água Doce do MA) e se chamava Maria Mirtes”. Os avós dela residiam em Parnaíba. Cloves também mencionou que “a minha irmã só não morreu porque, quando a lancha chegou ao porto, ela [a lancha] já havia saído para Tutoia”. (relato em 08.04.2023).

Os sobreviventes de Tutoia foram resgatados por um rebocador da Marinha do Brasil e transportados de volta para a cidade natal.

Zé Orlando, um dos passageiros, confirma que foi realmente em 1970, na eleição para deputado. “O Marcony Caldas [ex-deputado] estava em Tutoia, quando desembarcamos do rebocador da marinha que foi nos buscar em Carnaubeiras”, relata.

Na época, no Arraial de Tutoia, do ano seguinte, um puxador de toada de bumba-boi fez uma música, com a seguinte frase: "Vinha vindo pra Tutoia cheia de eleitor / e no rio Carnaubeira, ela naufragou".

As Lanchas eram embarcações de madeira motorizadas. As principais eram: Cidade de Tutóia, de propriedade do senhor Zé Tude de Araioses; a Mensageiro de São José, de Seu Acrísio, e depois foi vendida a empresa ESNISA; a Mensageiro de São Francisco, de Seu Acrísio; a Motonave, e Moto Mar, do Zé Matos Silva; a Esperança, do Chico Justo; e Santo Antônio, do senhor Antônio Doca, de Porto de Areia.

Segundo o professor Antonio Gallas, outra lancha, a do senhor Zé Alves, operava na região de Carnaubeira, e costumava parar para pegar caranguejo durante o percurso. De acordo com Gallas, a viagem levava de 7 a 8 horas.

Essas lanchas faziam parte da linha marítima que seguia até a cidade de Parnaíba, passando pelos seguintes povoados e vilarejos: Tutóia, Porto de Areia, Água Doce, Conceição, Carnaubeiras, Araioses e Barrinhas.

Além de transportar passageiros, essas embarcações também levavam cargas, como sacas de trigo, farinha, cimento, milho e latas de querosene, entre outros itens.

No porto de Tutoia as embarcações atracavam no local denominado de “Trapiche” ou “Cais do Porto”, no Porto Salinas, encostando-se em duas estacas grossas fincadas próximas ao cais. Uma prancha de madeira era colocada para que os passageiros pudessem desembarcar. Essas estacas, na verdade, eram mourões robustos e firmes, onde pneus nas laterais das embarcações se apoiavam para amortecer o impacto e evitar danos à estrutura do barco.

Entre 1966 e 1990, houve um período de intensa movimentação comercial no porto de Tutoia, cujas estruturas de cimento, já corroídas pelo tempo, testemunharam o auge das atividades nesse cais.

Segundo o morador do povoado Lagoa Grande dos Cabrinhas, Antônio João, “Lagoa Grande, Cabrinhas, Fazenda Velha e Seriema, em Paulino Neves, tinham uma rota para Tutóia feita por lancha. A lancha passava pelo rio que liga Seriema ao Guará. A embarcação saía de Paulino Neves, passava por Seriema, Atoleiro, e transportava todo esse pessoal, desembarcando-os na praia do Arpoador. De lá, um caminhão, de propriedade do senhor Antônio Tuninho, levava as pessoas para seus destinos. Muitos moradores da região de Lagoa Grande dos Cabrinhas e São João seguiam de canoa até o Morro do Guará, onde o caminhão os aguardava. De manhã cedo, a travessia era feita de canoa, deixando as pessoas que iam para Tutóia, e por volta de onze horas, retornávamos para buscá-las, já de volta de Tutóia. Essa rota era bastante comum na nossa região.” (relato em áudio do senhor Antonio João, do povoado Lagoa Grande dos Cabrinhas, em 07.04.2023, no grupo de whatsapp “Tutoia: 85 anos”)

Esse relato confirma como se deu o transporte na região ante a falta de estradas de rodagem e sem opções de transportes terrestres como os dos dias atuais até os anos 90, aproximadamente.






Porto Salgado, Parnaíba-PI. Lancha “Cidade de Tutoia”, momentos antes da saída para Tutóia (julho de 1980). Créditos: Arquivo de Djalma Filho.




Texto com base em relatos orais de pessoas que estiveram no naufrágio e ou filhos destes. Com informações de Djalma, Claudio, Padre Zuz, Rita Merequeta, Antônio João, Zé Orlando, Alcy Rosa.

Obs! Texto ainda em construção. Se tiver informações envio-nos no whatsapp (98) 98772-8417

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