A minha Tutoia hodierna mudou de feição nos últimos 40 anos. Vou me aproveitar de uma frase de Josué Montello para afirmar que seja por conta da "picareta do progresso que pôs ao chão paredes" de casas e praças históricas.
Quem não se lembra da casa de Dona Zelinda Neves,
que ficava na esquina de uma pequena rua que delimitava a Praça Getúlio Vargas
e encontrava a Rua Celso Fonseca e que dava no porto Salinas? Ou da Pracinha (Praça
José Sarney) onde atualmente é o prédio e terreno do Fórum de Justiça? Ou da
casa do seu Manoel Clara, ou da AABB, ou da Casa do ex-prefeito Antônio José Neves, ou do Clube Náutico (onde o cinema se instalava
uma vez por ano e assistíamos aos filmes de ação ou da sessão das dez, proibida para
menores, mas ainda assim – mesmo menores – dávamos um jeito - às vezes subornando o porteiro - para ver as
cenas proibidas? (quando não conseguíamos o ingresso, a gente olhava através de um buraco da parede).
Todas construções, com cara do início
do século passado, tinham um colorido especial; o traçado da arquitetura, os desenhos em relevo
nas paredes e portas, dava gosto de olhar. Quando pintados os detalhes em relevo das janelas davam um charme à construção. O mobiliário
- penteadeiras, camas de madeira maciça, as cristaleiras e os cristais, os
talheres de prata - muito nos admirava. As portas eram altas, com uma fechadura
e uma grande chave. Algumas casas tinham calçadas altas também, como as da rua
do cais, porque a maré invadia (isso num passado mais distante, nesse
caso, faz-se mais de 40 anos).
As ruas eram de pedra. Aliás, quando
eu era bem mocinho, rememoro quando nos preparávamos, - lá do interior -, para irmos à
cidade, alguém encomendava um favor aos cuidados de minha mãe: “La na Rua da
Pedra, Célia, no comércio do fulano, me compra um novelo de fio para eu terminar essa
rede”. A Rua principal recebia esse nome: Rua da Pedra. Mas a regra eram as
ruas de areia. Areia de duna. Areia braba. Areia de atolar um trator.
Mas, a picareta do progresso foi
mudando a cara da cidade. Foi assim com o Colégio Marcílio Dias também. Com o Sindicato dos Estivadores. E com tantas
outras. A picareta do progresso foi apagando a história das ruas e das casas da
Tutoia Velha e da Tutoia Nova. Este último, foi o nome que recebeu o Porto
Salinas por empenho do coronel Paulino Neves, que transformara o porto em
cidade. O fez mudando a sede da vila – Tutoia Velha – para a Tutoia Nova, que muita gente chamava ora de Salina, ora de Tutoia Nova (hoje chama-se apenas Tutoia). O coronel se emprenhou nesse projeto porque ali estavam suas salinas e, para aproveitar a profundidade que o igarapé
possibilitava, construiu casa de morada e armazéns, bem na beira do cais. Economizou
o deslocamento diário de 12 km em lombo de cavalos até a Tutoia Velha. Um trajeto
fatigante porque feito por um caminho que não o de hoje, mas um que precisava
transpor dunas e vargem, pela Malvinas, Taboal; e por veredas, na altura da Lagoa
Grande e Lagoinha.
A picareta do progresso só ainda não derrubou o Instituto
Paulino Neves (a casa de morada do coronel e sua família), eu penso, porque Dona Zuza
Neves - esposa do coronel -, antes de morrer, fez doação para a Igreja Católica.
Senão a picareta do progresso teria convencido os herdeiros a vendê-lo a um
dinheiro qualquer. Ainda assim está sob risco; é bem capaz do descuido lhe sucumbir
antes do tempo (não sei bem o tempo que dura uma construção antiga, mas sei que
a falta do cuidado devido pode fazê-lo).
Assim, vejo, ao passar dos anos, a picareta - ou "os picaretas" - do progresso mudando a minha Tutoia, não sei se para melhor, posto que parece ainda faltar muito para seu povo viver bem. Mas, pelo menos a paisagem mudou e continua mudando e vai pondo ao chão a sua memória.
Se a política d'algum tempo fosse como em Ouro Preto, Parnaíba, Salvador, São Luís... e o IPHAN olhasse para Tutoia, teríamos áreas ou prédios tombados.

Comentários
Postar um comentário