Quem poderia imaginar que, em pleno século XXI, para alçar voo nos céus da política bastaria nascer na família “certa”? Pois é. No grandioso espetáculo da “democracia” tupiniquim, cada vez mais se torna evidente que o sobrenome vale mais do que propostas, plataformas e, pasmem, até mesmo votos. Afinal, para quê perder tempo em convencer o eleitorado quando se tem um “atalho de fábrica” chamado parentesco?
Bem-vindos ao circo familiar que atende pelo nome de “política brasileira”.
O cientista político Ricardo Costa de Oliveira, da UFPR, nos brinda com a revelação de que nossa “infraestrutura política” pouco se importa com a colegialidade partidária. Nada de discussões programáticas, debates de ideias ou programas de governo compartilhados. O que reina é o clã: pai, mãe, filho, sobrinho, cunhado, vizinho do primo do assessor.
Um verdadeiro “corpo mole” orgânico que substitui – com muita elegância – o papel de partidos políticos, cuja única missão parece ser carimbar o “aval eleitoral” das dinastias.
Imagine a seguinte cena: você, cidadão desavisado, tenta pleitear uma vaga de vereador. Passa noites a fio elaborando propostas para melhorar o trânsito, reduzir a pobreza ou modernizar a educação. Mas, ao chegar na convenção, descobre que já existe por lá um “cacique partidário” que, além de ser seu parente direto, comanda o caixa da campanha e define quem recebe recursos. Pronto: seu projeto, por mais brilhante que possa ser, é mandado para o limbo burocrático, enquanto a “estrela da família” ganha holofotes e verbas generosas.
Afinal, nada poderia ser mais vil e primitivo do que distribuir oportunidades de forma justa, não é mesmo?
Tal modelo de “plantio” familiar tem consequências drásticas na pátria amada. Segundo Oliveira, a desigualdade social brota que nem erva daninha quando o poder político é monopolizado por clãs da classe dominante. Enquanto isso, o campesinato, a classe trabalhadora, os pobres, os negros, as mulheres e tantos outros grupos subalternos ficam à míngua, sem voz e sem capital político. Um partido político governado por oligarquias, convenhamos, nunca teve como meta ampliar direitos sociais; ao contrário, faz questão de manter o status quo.
E onde essa “magia genética” acontece com mais frequência? No Nordeste, a terra do forró e da vaquejada, impressionantes 63 % dos deputados federais vêm em embalagem “comercial”: parentesco, laços sanguíneos inexoráveis. Entre os senadores, então, o percentual de dinastias chega aos 59 %. Mas quão surpreendente é o Sul, a terra da chimarrão e da polenta, que, apesar de “menos familiarizada” com esse fenômeno (31 % dos deputados), ostenta mais senadores ligados pelo DNA do que os próprios nordestinos: 67 %. A verdade é que nepotismo, compadrio e camaradagem familiar não conhecem fronteiras regionais – pulsam em cada almoço de domingo, em cada fachada de prefeitura e em cada gabinete parlamentar.
Nem o modelo de financiamento de campanhas escapa dessa realeza hereditária. Anualmente, os cofres públicos deveriam ser divididos de forma equânime, distribuindo migalhas para todos os candidatos. Entretanto, os “velhos lobos” do Congresso são hábeis estrategistas: chamam uns poucos sortudos de “parceiros de bancada” e deixam a “ralé” a ver navios. O resultado? Recursos escassos, distribuídos conforme a tabela de parentesco: pai recebe, filho manda, sobrinho opera e, juntos, regem a orquestra do “dinheirinho amigo”.
O escândalo mais recente, carinhosamente batizado pela imprensa de “Novo Orçamento Secreto”, escancarou (de vez) essa farsa. Deputados federais abasteceram prefeitos – que nada mais eram do que seus próprios pais, irmãos ou esposas – com R$ 277 milhões empenhados, dos quais R$ 163 milhões já bancaram obras, festinhas e afagos políticos.
Hugo Motta, presidente da Câmara dos Deputados, mandou nada menos que R$ 22 milhões via comissões de Saúde e Turismo para a cidade de Patos (PB), onde seu pai, Nabor Wanderley, reinava sob o escudo do Republicanos. Arthur Lira, com a elegância de sempre, mandou R$ 10 milhões para Barra de São Miguel (AL), governo do seu progenitor, Benedito de Lira. Os R$ 2,5 milhões desembolsados pelo governo federal certamente caíram no colo certo: o bolso da máquina política local, cuja conta bancária exibia a mesma assinatura de família.
No Maranhão, essa epopeia familiar tem sabor de déjà vu: Amanda Gentil destina verba para o papai em Caxias; Pedro Lucas enche os cofres do pai em Arame; Detinha dá um agrado à cunhada em Zé Doca; Josimar Maranhãozinho usa a mesada de R$ 75,2 milhões para agradar a irmã, também em Zé Doca. E como não poderia faltar, André Fufuca, já licenciado para assumir a pasta do Esporte, continua prestando serviços comunitários: R$ 1,4 milhão foi empenhado para sua “querida” Alto Alegre do Pindaré, lá governada pelo antigo chefe de família. Em nota oficial, o Ministério do Esporte conclui que “eleger pai e filho por voto direto não prejudica o município”.
Ora, é lógico: quem, em sã consciência, alegaria que uma reunião de família pudesse se transformar em tráfico de influência? Que ideia absurda!
Ação Estratégica do Governador e o Novo Engenho Oligárquico no Maranhão
Enquanto as dinastias tradicionais se ocupam de entalhar o orçamento em nome dos “Eus Familiares”, o governador Carlos Brandão parece ter descoberto um truque digno de ilusionista experiente: esticar cada vez mais a corda desse engenho dinástico, lançando-se na missão de manter a força de uma “nova oligarquia” maranhense. Prova viva dessa manobra foi o encontro do MDB que sacudiu São Luís nesta segunda-feira (2): 27 prefeitos reunidos em peso para apoiar Orlando (Orleans) Brandão – secretário de Assuntos Municipalistas e filho do presidente estadual Marcus Brandão – como possível candidato ao governo em 2026.
O espetáculo montado no aniversário de 60 anos do MDB e nos 30 anos da Fundação Ulysses Guimarães não foi uma simples confraternização partidária.
Muito pelo contrário: serviu para que Brandão pai reforçasse, com grande pompa, a clara sinalização de que “quem manda” ainda não trocou a coroa. Orleans, embalado pelo discurso de ter elevado o MDB de 7 a 37 prefeituras no último pleito, fez questão de enaltecer o municipalismo como saída para o progresso do Maranhão. Mas sabemos bem que, na lógica oligárquica, “fortalecimento do municipalismo” é apenas eufemismo para “centralização de mais poder nos Brandão&Filhos”. É como trocar o nome do camarote VIP, mas deixar intacto o rodízio de privilégios no bufê.
Para deixar tudo com aparência democrática, o presidente estadual Marcus Brandão, o patriarca numerado dessa engrenagem, assegurou que 80% dos prefeitos já bateram o martelo em nome do filhote. Ora, 80% de “aproveitamento” é um índice que faria qualquer auditor republicano cair da cadeira – mas, na “nova oligarquia”, basta uma reunião em São Luís para transformar aparente pluralidade em consenso familiar.
E, para não dar bola ao azar, as discussões sobre reforma política, educação, desenvolvimento econômico e políticas sociais ganharam caráter de mera formalidade. Afinal, por que debater programa quando o roteiro já está escrito? Em outubro, no encontro nacional do MDB, essas “propostas” serão apenas carimbadas, e o documento programático de 2026 sairá com a bênção dos Brandãos, à margem de qualquer escrutínio popular.
Diante desse desfile de parentesco mal disfarçado de governança – agora com roteiro palaciano e plateia de prefeitos bajuladores –, resta ao cidadão comum ver-se à margem do grande banquete político. Enquanto as famílias oligárquicas saboreiam as sobras do orçamento público, a maioria do país segue sem acesso a serviços dignos, sem representatividade real e, pasmem, sem voz no Congresso. É quase comovente perceber que o único requisito para virar deputado, senador ou até sucessor de trincheira estadual parece ser um ultrassom favorável: se seu pai, seu tio ou sua tia já ocupou cargo relevante, você herda automaticamente um passaporte VIP para Brasília ou para o Palácio dos Leões.
Talvez a piada mais amarga seja acreditar que algum dia veremos esse modelo sepultado pela própria população. A cada eleição, permanece a esperança de que o eleitorado se dê conta do espetáculo tragicômico: colar o adesivo de “novato” em um candidato que recebeu doações milionárias do “clã” é pura encenação. O verdadeiro roteiro político continua nas reuniões de família, nos almoços de domingo e nos bastidores de gabinetes, onde o “talento familiar” decide quem segue estrelando o próximo capítulo da novela pública.
Em tempo: se ainda existe um pingo de ingenuidade no meio desta plateia, fica aqui o recado irônico. Aposte no neto do sogro do sobrinho do ex-prefeito, pois ele tem mais chances de aprovar uma emenda do que você de conseguir uma audiência. E, se por acaso sonhar com “política nova” ou “renovação”, lembre-se de conferir a certidão de nascimento antes de depositar o voto na urna. Porque, no Brasil dos clãs – agora com “engenhos” orquestrados por Brandões e afins –, o que realmente importa não é a ideia, mas sim o sobrenome.
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