O ESQUENTA DAS ELEIÇÕES DE 2026 E A REINVENÇÃO DO CORONELISMO NO MARANHÃO

Foto: Divulgação 

A raiz da gentileza do vice-governador Felipe Camarão (PT) em receber a cúpula do PL no Palácio dos Leões, enquanto ocupa o cargo de governador - com a viagem de Brandão à França – para além de estreitar ligações com o grupo de Othelino Neto, reflete muito sobre a dinâmica e estratégias que envolvem a política pré-2026 e as disputas do espólio de quem ocupa o cargo de governador, pois, aqui no Maranhão, sob o discurso de “renovação”, o que se viu por décadas, na prática, foi uma adaptação moderna do velho coronelismo que marcou nossa política.

Tal fenômeno (coronelismo) se define pelo acordo tácito entre o chefe do executivo estadual e as franjas políticas locais, capazes de controlar votos e distribuir benefícios a partir de um critério bem claro de fisiologismo escancarado, parentesco e favorecimento dos grupos contendores.

Para compreender como esse sistema se instalou, basta olhar para os anos dominados por Vitorino Freire, Sarney e mais recentemente, pela guerra midiática que envolve a sucessão estadual e os arranjos que se moldam acerca de quem “herdará” os espaços de poder.

Em vez de um processo eleitoral aberto e competitivo, o que se dá é uma verdadeira transferência de comando “por transmissão familiar” e interesses econômicos. Não se trata apenas de marcar presença em palanques ou comícios; trata-se de garantir a obediência dos atores políticos locais, que recebem verbas e pequenos agrados em troca de engajamento eleitoral e da força de blogueiro atentos aos ventos da intriga, sempre a serviço de costurar os fatos em benefício de quem melhor pagar. (Nota a parte: interessante observar que, cada um no seu contexto histórico, Vitorino Freire e J. Sarney construiu sua hegemonia com o domínio da imprensa)

O eleitor maranhense, por vezes desinformado ou sem recursos para mobilização própria, acaba recebendo informações que são construídas a partir de versões dos acontecimento e se embriaga pelas promessas de mudanças, decisivas no momento de votar, empacatodas por gestos assistencialistas que reforçam a ideia de “quem dá, também manda”, mantendo a perpetuação de um sistema político que reduz a autonomia popular ao mínimo possível.

Nesse cenário, as prefeituras do interior, o que deveria ser um exercício de independência administrativa acaba subordinado à lógica do Palácio dos Leões. Os prefeitos, muitas vezes indicados ou pressionados pelo núcleo do governo, transformam-se em meros executores de orientações que asseguram o apoio das “lideranças locais” – os chamados “nobres das terras” –, capazes de mobilizar votos em massa.

É assim, nesse cenário, que o nome do sobrinho do governador circula como “herdeiro legítimo”, engolido goela abaixo sob a justificativa de manter uma suposta continuidade de projetos. Esse modelo, todos sabemos, não é nem novidade: já vimos, no Império e nos primeiros anos da República, onde a indicação de prefeitos pelo governo central e a utilização de verbas públicas como moeda de troca política criou a figura do coronelismo.

A Constituição de 1988 prometeu romper com tais práticas ao afirmar a autonomia municipal e a independência dos poderes, mas, na prática, vemos que as velhas práticas de influência local continuam vivas. É que, com o aumento dos recursos públicos disponíveis, também se intensifica a busca por financiamento para campanhas. Assim, fazendo a ‘roda girar’, deputados, prefeitos, lideranças cooptadas e vereadores alinhados ao “Brandãonismo” atuam para que o erário sustente as ambições políticas do clã, bloqueando medidas que tentem restringir esses benefícios. Em contrapartida, gestões municipais ficam à mercê de um ritmo ditado pelo familiar do governador, responsável por receber “certificados de experiência” e promessas de expansão de serviços.

Enquanto isso, a população – especialmente nos municípios mais pobres – permanece à espera de alguma migalha administrativa: um poço artesiano, uma estrada cascalhada, uma reforma pontual em escola.

Não se pode deixar de contextualizar que, nesse ambiente de submissão, as câmaras municipais, via de regra, subsistem como carcaças simbólicas. Eleitos sob voto popular, seus membros acabam votando conforme a direção traçada pelos governistas de plantão, ou seja, devem obediência a quem, nas recentes eleições foi o fiador de seus gastos.

Em gabinetes fechados, decide-se a nomeação de cargos em comissão e a distribuição de verbas, sem transparência e sem participação real da sociedade civil. A independência prometida pela Constituição, portanto, cede lugar a um sistema de lealdades que garante a coesão do novo coronel em cada canto do estado.

Ainda hoje, ouvimos afirmações de que a “judicialização” das disputas políticas no Maranhão impediria abusos. Mas, em muitas comarcas, a estrutura judiciária vive sob a sombra do poder local: decisões favoráveis ao governador ou a seus aliados parecem indiscutíveis, enquanto eventuais recursos da oposição se arrastam nos tribunais.

A conclusão é clara: a fachada de dualidade entre justiça federal e justiça estadual pouco faz para proteger a cidadania quando juízes, promotores e delegados se acomodam a interesses políticos.

Se, por um lado, a crise de representatividade alimenta o desinteresse — afinal, para a maioria dos eleitores, a política se resume a um arranjo de favores —, por outro lado, cabe registrar que tais debilidades não nascem do acaso.

Resultam de um modelo enraizado em redes de troca de empregos, favores e benefícios, tudo voltado para assegurar que o “herdeiro” – neste caso, o sobrinho de Carlos Brandão – chegue ao poder com o mínimo de oposição.

No fim das contas, o verdadeiro “renascimento” de uma dinastia política maranhense não passa de uma versão remasterizada do coronelismo: idéias vestidas em roupagens modernas, com jargões sobre “meritocracia familiar” e “continuidade administrativa”. O eleitor que sonha com mudança e governança transparente precisa estar atento: é preciso enxergar além da retórica e perceber que, por trás dos discursos de renovação, loquazes aparatos publicitários e aparências democráticas, segue viva a velha receita de concentrar poder em poucas mãos.

Até que o eleitorado se mobilize, recupere a autonomia de escolha e cobre, de fato, responsabilidade dos representantes, a ironia amarga desta história será a de ver, novamente, o poder se reproduzir dentro de um mesmo núcleo familiar – um triste capítulo que lembra o coronelismo dos Vitorino/Sarney e, agora travestido de “Brandãonismo” no Maranhão.




Texto: do advogado e 
comentarista político 
Dr. Vitélio Shelley. 

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