Já disse Nelson Rodrigues: "EM FUTEBOL, O PIOR CEGO É O QUE SÓ VÊ A BOLA"

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No Brasil - terra onde se plantando tudo dá – os recentes escândalos envolvendo a entidade maior no futebol (CBF), pisoteia a dignidade do torcedor em troca de cifrões e privilégios.

E não estamos falando de uma mera falha de arbitragem (ou do VAR) ou de um juiz que “fechou os olhos” para um pênalti. O que se vê é um arranjo emaranhado que envolve cartolas, políticos, lobbies e todo tipo de interesse escuso, até envolvendo filho de um ministro do STF.

Nesse contexto, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), entidade máxima do esporte preferido do brasileiro, é hoje a mais nova — e, ao que tudo indica, duradoura — protagonista desse circo de horrores. A informações recentes dão conta, desde de rumores de compra de votos de federações estaduais para a eleição de seu presidente, passando por mordomias em Copas do Mundo e hospedagens de luxo, até o envolvimento de figurões da política, do Judiciário e de outros círculos de poder, o que temos diante de nós é um festival de desfaçatez.

Tudo isso se desenrola com ares de “normalidade”, e, pasmem, sem corar a face dos envolvidos. Afinal, como já diria aquele escritor mordaz (Nelson Rodrigues), o Brasil é o país que consegue encontrar explicações para o inexplicável. E não é que encontra mesmo?

O Balcão de Negócios

Neste particular, quem acompanha os bastidores da CBF, sabe que tais fatos não surpreende ninguém. A prática de comprar votos para a presidência, que atravessou gestões e nomes, segue forte. E por que não seguiria? A ‘receita’ da CBF ultrapassa a marca do bilhão de reais. Some-se a isso os polpudos contratos de patrocínio e acertos de transmissão de jogos pelas TV’s e redes sociais. Tudo à disposição de quem se senta na cadeira principal. O resultado? Aumento astronômico no “salário” dos presidentes de federações, que chegam a embolsar 215 mil reais mensais, mais benesses como décimo sexto salário — um legítimo escárnio diante de um país em que muitos lutam por um salário mínimo que mal paga o básico e com um campeonato sem regras e só montado em favor dos patrocinadores.

O apogeu recente dessa farra pôde ser visto, por exemplo, na Copa do Mundo do Catar, em 2022, quando a Seleção Brasileira sucumbia em campo, enquanto uma trupe de 49 brasileiros aproveitava o conforto de hotéis cinco estrelas, voos de primeira classe e até cartões corporativos de 500 dólares diários. Nada mal para quem, oficialmente, não tinha ligação com a Confederação. E não para por aí: familiares e amigos do presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, também aproveitaram a viagem, tudo pago pela entidade. A mesma que, em teoria, existe para zelar pelo futebol nacional. Alguém já ouviu falar em conflito de interesses? Parece que não.


Promessas e (Falta de) Transparência

Ednaldo Rodrigues chegou prometendo “expurgar qualquer imoralidade”. Mas, pelo visto, o único expurgo em curso é o do bom senso. Depois de morar nove meses no Hotel Grand Hyatt, na Barra da Tijuca, às custas da CBF, Rodrigues ainda permitiu que sua família passasse temporadas no mesmo hotel, novamente com a fatura enviada para a entidade. Enquanto isso, presidentes de federações estaduais seguem tão generosamente agraciados com contracheques turbinados que, claro, dificilmente erguerão a voz contra o mandatário que os mantém em tamanho conforto.


O Papel da Imprensa

Curiosamente, diante de tanta denúncia, o jornalismo brasileiro costuma balançar entre o destemor e a conveniência. Há os que seguem, de forma rara e louvável, fazendo perguntas incômodas, não cedendo aos poderosos. Em contrapartida, também existem aqueles que, por razões diversas, preferem ignorar o cheiro de enxofre que exala desses esquemas, deixando de lado a cobertura investigativa e engavetando pautas espinhosas. Não que seja fácil apurar tudo isso: quando se trata de corrupção no futebol, as ramificações parecem infinitas, envolvendo senadores, deputados, magistrados e até os que deveriam zelar pela lisura das instituições. Em meio a um emaranhado de influências, blindagens e contratos milionários, a verdade é que poucos conseguem — ou querem — ir a fundo para denunciar o que de fato acontece.


O Riso Irônico

Ao fim e ao cabo, o Brasil continua “formidável” ao explicar o que, em qualquer lugar civilizado, seria inaceitável. Tornou-se lugar-comum ver cartolas desfilarem impunemente enquanto se deliciam com um caixa bilionário, sem prestar contas a ninguém. E não é por falta de escândalo ou de informação. É, talvez, por falta de vergonha na cara — ou de mecanismos realmente eficazes para punir esses abusos. E aí, caro leitor, voltamos à pergunta que não quer calar: por que o esporte, essa paixão nacional, serve de biombo para tanta rapinagem e aparelhamento? Porque, como diria o ditado, “onde há fumaça, há fogo”. E, pelo visto, essa chama é bem lucrativa para quem prefere manter o status quo.

Enquanto isso, o torcedor, que deveria ser o verdadeiro beneficiário de um sistema limpo e transparente, assiste a uma partida cujo placar já sabemos de antemão: vitória do conluio, goleada da roubalheira e humilhação dos que ainda acreditam na seriedade do esporte. O que resta? A ironia de ver que, no altar da maior paixão brasileira, a regra de ouro foi manchada — e ninguém parece muito disposto a limpá-la. Mas, como de costume, explicações não faltam, mesmo que o inexplicável continue aí, pairando sobre nossos estádios, federações e cartolas.

O Brasil, afinal, não seria o Brasil se não tentasse justificar até o que não tem justificativa.





Texto: do advogado e 
comentarista político 
Dr. Vitélio Shelley. 

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