DECRETO DO INDULTO: TEM VAZAMENTO DE ÓLEO NO RECIPIENTE DO SISTEMA DO "CHECK AND BALANCES” DA REPÚBLICA DO BRASIL

Imagem: Divulgação 

A concessão de indulto é um instituto usado há milênios no mundo, datado de antes de Cristo. Entretanto, um episódio emblemático do uso deste instituto aconteceu por ocasião da crucificação de Jesus Cristo no início da Era Cristã. Pilatos deu indulto a Barrabás, quando colocou para a multidão decidir a quem concederia tal graça se a Jesus, que era levado a ele apenas com supostas acusações, ou a Barrabás, um condenado preso. Naquela época era comum dar indulto a um dos presos na Páscoa. Barrabás foi o agraciado e Cristo, todos já sabem a história. 


De lá para cá, nos governos absolutistas o indulto era também comumente utilizado, especialmente para os “amigos do rei”. Os monarcas utilizavam-se do poder absoluto que tinham para fazer o que julgassem ser o correto, não havia outro poder para enfrentá-los. O rei era o estado, por assim dizer. De modo que, o Rei da França, Luís XIV (1638-1715), o “Rei Sol”, teve uma frase eternizada nesse contexto: "o Estado sou eu” “L'État c’est moi”. 


Toda esta introdução para exemplificar o que muitos têm defendido que está ocorrendo no Brasil. Corriqueiramente, os oposicionistas acusam o presidente Bolsonaro de querer dar um golpe de estado no país, de querer ser como o “Rei Sol”. Bolsonaro e bolsonaristas rebatem. 


Pode-se afirmar que há uma verdadeira guerra de ideias, de posicionamentos, de trocas de acusações, de propagação de fake news na internet etc. As redes sociais de pessoas comuns e de autoridades estão abarrotadas de posts dessa natureza, inclusive a do presidente da república.     


Tais embates ocorrem desde a eleição de Bolsonaro no ano 2018. E se acirra neste ano eleitoral de 2022, quando os brasileiros têm assistido uma espécie de crise institucional entre o Palácio do Planalto e o STF. Pode-se dizer, tem rolado uma DR* entre o Presidente da República e o Ministro Alexandre de Moraes (pede-se desculpas com a devida vênia pela gíria “DR”). 


Este embate entre Supremo e Palácio tem repercutido no Congresso Nacional. Discursos acalorados e outros com conteúdo que pode ser considerado quebra de decoro parlamentar ou tipificado como crime, como o discurso do então Deputado Daniel Silveira que chegou a dizer que era para invadir a Suprema Corte e retirar de lá o Ministro Alexandre de Moraes arrastado pelo colarinho, foi o estopim para que o STF condenasse o parlamentar a oito anos e nove meses de prisão. A decisão da Corte levou o presidente Bolsonaro a editar o famigerado Decreto de 21 de abril de 2022, concedendo graça constitucional ao deputado, mesmo antes do trânsito em julgado.


Tanto a decisão do STF quanto a do Presidente da República tem gerado um sem número de discussões no meio acadêmico do Direito, de populares e de juristas no país inteiro. Tem surgido mais de 200 milhões de Ministros para opinar (cada popular parece querer ser um Ministro). 


Entretanto, há muitas divergências de opiniões entre estudiosos e professores do Direito Penal e Constitucional. Uma chuva de interpretação hermenêutica da Constituição diante do Decreto. Há ainda as defesas meramente de interesse pessoal por partidários e/ou simpatizantes dos dois lados. 


Mas, a decisão de Bolsonaro é meramente política ou administrativa? É constitucional ou inconstitucional? Há vontade do Presidente em confrontar o STF? Isso abre precedentes para novos indultos sem o crivo da constitucionalidade? Caberia somente à Câmara dos Deputados, na Comissão de Ética, por ferir o decoro parlamentar, fazer o julgamento do Deputado Daniel Silveira? O STF é competente para julgar a matéria, como o fez? 


Inúmeros questionamentos sem uma resposta clara. Fato que a concessão de graça individual não havia sido usada no Brasil desde a vigência da Nova Constituição. 


Difícil fazer juízo do que é correto tendo em vista que as opiniões de especialista, por vezes, vêm carregadas de ideologia ou de defesa de um dos lados. 


Renomados juristas como o próprio Alexandre de Moraes em decisão próxima pretérita decidiu que não caberia análise posterior do Tribunal na ocasião em que o presidente Temer concedeu indulto para redução de penas a condenados por crimes em 2017. 


Outros especialistas como o respeitado constitucionalista Ives Gandra tem sido citado por bolsonaristas como uma das melhores opiniões em relação ao caso concreto. Ives foi, inclusive, solicitado na CPI da Covid por um senador da base governista a ter incluído no relatório seu parecer sobre aquele caso. Gandra não vê problemas na decisão do presidente.  


Um telejornal da Tv CNN Brasil, trouxe um debate entre o ex-ministro Eduardo Cardozo e o citado jurista Ives Gandra. Para Gandra o indulto é um “direito absoluto do Presidente da República” concedê-lo. Em oposição, o ex-ministro Cardozo disse que o presidente Bolsonaro ao fazê-lo “mostra sua espada ao poder judiciário”. Ele disse ainda que a decisão do Presidente fere princípios constitucionais implícitos no Art. 37 da Carta Magna como o da impessoalidade e da moralidade. 


O Constitucionalista Pedro Lenza, autor preferido por muitos estudantes do Direito nos dias atuais, promoveu uma live na sua rede social Instagram por mais de três horas esta semana e debateu com outros estudiosos e professores renomados do Brasil opiniões divergentes e convergentes sobre o tema. 


Para Lenza, "decisão judicial se cumpre [mas, se se discorda] o que se pode fazer é atacar nos termos da constituição, judicialmente”. O autor disse ainda que há um risco de se acirrar ainda mais o conflito entre as instituições e isso não será bom para a democracia.  


Na mesma live, outras autoridades se posicionaram como Bheron Rocha, Defensor Público na Defensoria Pública do Estado do Ceará, ele ponderou sobre os motivos: se os motivos determinantes não atenderem os requisitos necessários, ou seja, se os fundamentos arguidos no Decreto pelo presidente foram equivocados, pode invalidar o próprio ato.


Outro que participou do debate foi Edilson Santana Gonçalves Filho, especialista em Direito Processual, também escritor e professor e exerce as funções de Defensor Público Federal, para ele “talvez a corte anule o Decreto e aí cria-se um desgaste maior ainda e o PR vai criar um discurso político mais forte ainda", salientou. 

 

Ainda na live de Lenza, o professor Igor Pinheiro, Promotor de Justiça do Ministério Público do Ceará (MPCE), coordenador das Pós-Graduações de Prevenção/Repressão à Corrupção e de Direito Eleitoral do Complexo de Ensino Renato Saraiva (CERS) e autor do livro “Condutas Vedadas aos Agentes Públicos em Ano Eleitoral”, pela Editora Fórum, foi enfático “partidarismos não geram convicções racionais”. Acrescentou ainda que é preciso o necessário respeito às instituições na democracia, citando o exemplo que os americanos têm respeito tanto pela república como pela sua democracia. E afirmou que o STF tem exagerado em ser investigador, promotor e juiz em muitos casos. 


Para o advogado, escritor e ex-juiz estadual Márlon Reis - maranhense-, que levantou cerca de 1,3 milhão de assinaturas para o projeto da Lei da Ficha Limpa, “a graça concedida atinge a condenação penal e não a inelegibilidade, que se trata de legislação extra penal. A graça é um instituto do Direito Penal somente”, afirmando que, sem discutir o mérito de se a decisão do presidente foi ou não política, não tiraria a inelegibilidade do parlamentar que na mesma condenação pugna pela inelegibilidade por oito anos. 


Para Rodrigo Pardal, professor de Direito Penal da PUC - SP, a decisão foi um ato político citando o renomado escritor Celso Antônio de Mello.


Para o Promotor de Justiça e Professor de Penal e Processo Penal, Andre Estefam, as ADPF impetradas no STF “só prolongam uma disputa institucional entre o Presidente da República e o STF”. O promotor em sua fala chegou a citar o caso histórico de Mota Coqueiro, do Brasil Imperial. Este caso eternizado na historia como o maior erro jurídico do país fez com que a partir de então fosse cessada a pena de morte no Brasil (na época, a forca), pois D. Pedro II, passou a conceder graça e indulto a condenados, até mesmo por crimes hediondos. 


Como se vê, são vários os questionamentos e posições. 


E há os que defendem que se houver conflito mais acirrado entre os dois poderes quem poderia intervir seriam as Forças Armadas com base no Art. 142 da CF/88. Estaríamos diante de nova provável Ditadura Militar? 


Veja que são muitos questionamentos sem resposta clara. 


Sobre o caso, alguns partidos ajuizaram ADPF, como o Rede, o PDT e o CIDADANIA.


O partido CIDADANIA ingressou na data de 22 de abril de 2020 com uma ADPF - Arguição De Descumprimento De Preceito Fundamental-, com pedido liminar, alegando evidente desvio de finalidade à luz da teoria dos motivos determinantes. Questiona que o presidente utilizou-se de tal prerrogativa constitucional com “fins político-pessoais particulares, a saber, a proteção de aliado político e ataque institucional de finalidade eleitoreira”. Discute ainda no “MÉRITO. Notório intuito de desafiar a autoridade desta Suprema Corte”, trechos da peça. 


Para muitos populares opinantes, inclusive para mim, a decisão do Presidente foi política, sem dúvidas. 


A exemplo de decisão política, remeta-se a um discurso político do Presidente da República em frente ao quartel general do exército em que membros daquele palanque pediram o fechamento do STF no mês de abril de 2020. 


Pondere-se, se há um ou mais Ministros da Suprema Corte que tenham cometido algum excesso, porventura, tenha ferido a Constituição, pode-se recorrer ao que prevê o art. 73 da Lei 1.079/1950 que dispõe sobre os crimes de responsabilidade, observando-se a competência de julgá-los preconizada no Art. 52, II, da CF/88.


Volte-se ainda mais no tempo, quando a presidente Dilma Rousseff, em 2016, chegou a editar uma Portaria para nomear o ex-presidente Lula como Ministro para evitar uma iminente prisão daquele por ocasião da Operação Lava-Jato, em curso, foi muito discutido. Lula não foi nomeado e acabou preso. 


Na atualidade, o presidente vez por outra flerta com quem usa discurso de animosidade. Ele próprio faz uso de discursos assim, como exemplo do Discurso no dia da Independência em 2021 que disse que não cumpriria mais nenhuma decisão do STF.  


Há ainda quem defenda que o parlamentar tinha que ser julgado na Comissão de Ética da Câmara e eventuais crimes contra a honra que ele tenha cometido deveriam ser remetidos para apuração na Justiça Federal de Primeiro Grau. 

 

Fato é que princípios básicos, regras simples e amplamente conhecidas vêm sendo “violadas pela empáfia, vaidade patológica e ativista voluntariosa e ideológica de alguns membros do judiciário e da política”. Há quem diga que o STF tem se comportado como um partido de oposição ao governo. 


Mas, a decisão final, cabe às urnas julgarem os comportamentos esdrúxulos em evidência. O eleitor, e somente o eleitor, é legítimo para decidir. 


A bem da verdade, o presidente dá claros sinais de que tem pouca capacidade de administrar uma nação como o Brasil: complexa e plural. E o judiciário parece estar travestido de ideais político-partidários. 


Veja-se o exemplo do ex-juiz e ex-Ministro Sérgio Moro, que deixou a toga para ingressar na Política, primeiro para ser Ministro do Governo Bolsonaro, depois para ser um pretenso candidato a cargo político. 


Tem muita coisa que parece fora do eixo ou com problema no regime democrático e de justiça brasileiro. Até mesmo alguns poucos membros do Ministério Público agem  com muita ação ou omissão em prefeituras interioranas ou em nos estados. Exemplo, uma reportagem da Revista ISTOÉ de 2013 mostrou um caso de que havia suspeita de que o Promotor Rodrigo de Grandis, teria beneficiado Aécio Neves em São Paulo, acesse aqui. A Operação Lava-Jato foi toda desconstruída (por erros de procedimento investigatório-processual e politicamente, diga-se de passagem), além de outros casos não citados.  


Em síntese, o óleo dos “check and balances” (freios e contrapesos) parece ter derramado e descontrolado o veículo da República. Situação complicada essa do Brasil. 


Não existe a tal imparcialidade que todos buscam. Nos muitos debates, fica evidente, por exemplo, vê-se opiniões de juristas, ora de um ferrenho defensor do PT e do outro dos que flertam com o bolsonarismo. Ou seja, parece não haver imparcialidade de fato. O que se tem são pontos de vista que defendem um lado ou o outro ideologicamente. 


Não obstante, hodiernamente, nas situações cotidianas é comum que se faça ou decida algo com uma pitada de interesse particular por traz. 


Quanto à justiça, esta é feita de humanos, e, portanto, além de tardar, pode falhar. 


NOTA:

*DR é um termo utilizado nos dias atuais pelos jovens que significa discutir a relação entre namorados.  

Autor: Elivaldo Ramos Lima

Estudante de Direito. Em 24.04.2022


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