MEMÓRIAS: Rezando o “Terço” no interior

Créditos da Imagem: https://maladeromances.blogspot.com/2017/07/no-tempo-da-lamparina.html


Ao entardecer de cada dia no povoado Bezerro, a matriarca da família Ramos Lima, minha mãe, colocava todos os filhos para rezar o “Terço” (a reza de um rosário tradição da Igreja Católica), um costume guardado por ela que repassava às proles.  


Todos já sabiam, “bem na boquinha da noite”, tinha-se que se acomodar na sala ou mesmo na mesa da cozinha, sob a luz de uma lamparina, ela pegava o "Terço'' e iniciava. Transcorrido todo o rito da reza. E assim procedia todos os dias, semanas, meses, ano…


Naquela época no povoado não se contava a luz elétrica. A iluminação era a base de lamparina mantida com querosene ou em algumas vezes óleo diesel. Lamparina confeccionada com vidros ou latas do tipo daquelas de leite, que minha mãe fazia. Fazia um orifício na tampa, e um ferreiro da comunidade Tutóia Velha, fazia uma solda de um tubo, que recebia o nome de pavio, por onde passava um chumaço de algodão, que saia de dentro do recipiente que ficava umedecido pelo combustível ali depositado. 


Numa bela noite para cumprir o ofício, havia transcorrido todo o rito e chegava-se à última etapa: a "Salve Rainha”, e meu irmão João pregou peça na Dona Célia certo dia de reza.


Meu irmão mais velho (na verdade o segundo mais velho, pois a mais velha é a Sônia), José João - ou apenas João, como o chamamos - quando criança.


Pois bem, o meu irmão naquela noite estava incumbido de finalizar o Terço, dona Célia sempre fazia isso com um dos filhos, segundo ela, para testar se a cria havia aprendido todas as partes do "Terço''. 


José João não havia aprendido ainda a “Salve Rainha”, aliás, nem fazia muito caso de aprender. Dona Célia sabia disso, mas insistia que ele cumprisse a obrigação. Por vezes, alguns dos filhos choravam por não saber sob o olhar de reprovação da mãe. 


Mas, não tinha conversa, tinha que rezar de qualquer jeito. 


  • Cuide, José João, é sua vez. Sentenciou a dona Célia. 


O menino João, mesmo gaguejando, acanhado, receoso, inseguro, deu início à obrigação imposta pela mãe. 


Salve, Rainha, Mãe de Misericórdia, vida, doçura e esperança nossa, Salve. A Vós bradamos, os degredados filhos de Eva…


O menino fez uma pausa e emudeceu. 


A mãe, virou-se para ele, arregalou os olhos e o fitou. Aquele olhar já dizia tudo, tinha que continuar.  


A vós suspiramos, “jumento chorando”...


A continuação correta seria: “gemendo e chorando, neste vale de lágrimas"... 


Pronto, foi a gota d’água, os demais se entreolharam e a gargalhada começou. Até a dona Célia riu.  


Comentários