Uma professora que transformou a luta trabalhista em conteúdo escolar


Uma professora que transformou a luta trabalhista em conteúdo escolar

Maria Helena Bertolini sempre acompanhou a trajetória de reivindicações levantadas por trabalhadores, inclusive os da área educacional, onde atua há mais de 30 anos
Por Jéssica Moreira, do Centro de Referências em Educação Integral | Retirado do Jornal GGN
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Foi nas reuniões religiosas com foco na Teologia da Libertação que Maria Helena iniciou seu processo de imersão na vida política. Tornou-se catequista e o gosto por ensinar a partir de um olhar crítico à sociedade a levou para o magistério, onde lecionava para os pequenos. Aos 23 anos, ingressou na universidade de Estudos Sociais (hoje, Ciências Sociais) e, antes mesmo de concluir o curso, já era responsável pela disciplina de história e fez da reivindicação trabalhista um tema para sua forma de ensinar.

Confira abaixo a trajetória da professora!
Inspirada pelas lutas sociais que acompanhava desde a adolescência, ao iniciar a carreira docente Maria Helena percebeu quão importante era atuar nos movimentos que pediam melhores condições de trabalho aos professores. No início dos anos 80, ainda sob a ditadura militar, a jovem  educadora começou a participar das Associações de Professores, à época clandestinas.
Com o fim dos anos de chumbo, os professores finalmente puderam se organizar em sindicatos, o que veio a se consolidar entre o fim da década de 80 e início dos anos 90. Surgia, em São Paulo, a Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) e o Sinpeem (Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo), que tinham como principais reivindicações a possibilidade de construir uma carreira pensando o crescimento do professor e um piso salarial. “Nesse período, o sindicato articulava grandes greves, as escolas todas paravam e o movimento era muito forte”, aponta Maria Helena.
Para ela, a organização das greves sempre foi muito importante para os professores alcançarem seus objetivos, concretizando anseios que vinham das discussões educacionais das décadas passadas.  “Os sindicatos eram uma referência, pois nós nos reuníamos nas sedes regionais da Apeoesp, por exemplo, e os representantes levavam nossas posições para as assembleias e, assim, as decisões eram tomadas de forma coletiva.”
A educadora acredita que não se faz luta trabalhista na área da educação se não houver a participação de toda a comunidade escolar, principalmente dos alunos e família. “A cada greve, a cada movimento que fazíamos, procurávamos reunir os pais e alunos para explicar nossos motivos. Tanto que muitas das assembleias que ocorriam na Praça da República (região central de São Paulo) reunia pais e estudantes que eram levados por nós em ônibus que alugávamos por conta própria.”
Sua atuação durante anos na rede pública de ensino de Cajamar (município da região metropolitana de São Paulo) foi a prova de que envolver a comunidade local nas causas dos professores era um dos melhores caminhos para alcançar vitórias. “Envolver as famílias enriquece o movimento dos professores, pois à medida que os pais compreendem que a luta não é só pela melhoria salarial, mas sim do ensino como um todo, entendem que a educação não se faz só na escola, que ela é um processo de toda a sociedade”, reflete a educadora.
As reivindicações trabalhistas como parte do currículo escolar
Foi no início da década de 90, com Luiza Erundina à frente da prefeitura de São Paulo e Paulo Freire na Secretaria de Educação, que Maria Helena conheceu o “Projeto Inter”, que tinha por objetivo aliar o conhecimento escolar aos saberes comunitários, tornando o aprendizado algo coletivo. Na mesma época, o bairro onde Maria Helena nasceu dava início a uma articulação local para desapropriar o prédio da antiga Fábrica de Cimento, localizada em Perus, na zona norte da cidade. A proposta era ocupar o espaço com um centro cultural, voltado para a memória dos sindicalistas que ali encabeçaram uma greve que durou 7 anos.
A partir dessa movimentação, a professora e seus colegas passaram a utilizar o chão da fábrica como espaço de estudo, onde era possível resgatar a história da região, assim como a trajetória da industrialização de São Paulo e do país, já que a fábrica surgiu em 1926 e forneceu matéria-prima para importantes arquiteturas da capital paulista. “Um dos episódios mais bonitos de minha carreira foi quando eu trouxe à sala de aula o presidente do sindicado da fábrica de cimento, o João Breno, que neste dia fez uma conversa com os estudantes sobre a mobilização dos trabalhadores da indústria.”
Aposentada da rede municipal de ensino de São Paulo, Maria Helena hoje é professora universitária e integra o Grupo de Trabalho de Educação de Perus, que tem como meta construir uma universidade colaborativa no prédio da fábrica de cimento, que continua sendo motivo de reivindicações no bairro. “Nós queremos construir conhecimento fora das esferas institucionalizadas. Sem desprezar as universidades já existentes, nós lutamos por uma universidade que considere os conhecimentos não acadêmicos, o conhecimento da população e a história local.”

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